quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Elena e os pais



Como toda noite o casal se deitou na cama com uma angustia no peito, mas não dormiram, eles nunca dormiam antes da hora, e ainda era 23h no relógio. Na verdade eles ficavam com um vazio doloroso no coração o dia todo, todos os dias, desde aquele dia. De dia quando o desespero batia, eles disfarçavam, se trancavam no banheiro pra chorar. Mas era à noite, quando o silêncio assombrava a casa que doía mais, era uma dor emocional tão grande que se tornava física.
Eles ficavam sentados na cama, só respirando e resmungando. E dentro da cabeça de cada um tinha um mundo agressivo de perguntas e acusações. Mas agora ambos sabiam que não adiantava nada. Agora só havia um quarto intacto conservado pela ilusão de uma volta que não nunca existiria, um silêncio absoluto, um arrependimento amargo que gerava uma vontade de voltar no tempo e a falta, não, não era exatamente ausência, era só a presença de algo que não estava mais ali.
E estava chegando a hora, eles se entreolharam e entrelaçaram suas mãos. Nos últimos cinco meses eles puseram a culpa daquilo na inconformidade, depois na saudade e em seguida na culpa. Uma vez a mãe se viu na porta do quarto, ele ainda estava com as roupas espalhadas pela cama, o cheiro de vodca, a mancha de chocolate quente no tapete e até os livros ainda espalhados pelos cantos no chão. Ela tentou entrar, mas não conseguiu, tinha uma força fria que a impedia, sabia que se entrasse iria desabar. Esfregou os braços e chamou da porta mesmo, com uma voz esmagada arranhando-lhe a garganta, só pra matar aquela esperança besta que ela tinha.
- Elena?
Ela fechou os olhos e só ouvindo silêncio, a lagrima rolou e ela saiu correndo. Ninguém respondeu, ninguém jamais responderia, porque Elena não estava mais ali. O bilhete que ainda estava  em cima da cama voou pela porta, antes dessa bater. No papel enrugado de lágrimas estava uma caligrafia agressiva: "EU ME DEMITO", era o que Elena havia escrito antes de se enforcar no próprio quarto.
Talvez a surpresa que aquilo gerou foi o que causou tanta dor nos pais. Porque aquilo tinha acontecido? Quais foram os indícios? O que eles haviam perdido? Teriam sido capazes de ajuda-la? Poderiam ter feito alguma coisa para não perde-la?
Agora era basicamente que eles pensavam deitados na cama, esperando dar a hora. Então olharam para o relógio. 02:11... Ia começar em poucos segundos. Então eles ouviram, como em todas as outras noites, só que mais alto do que a noite anterior. Era assim , a cada noite ficava mais nítido. Primeiro os passos estridentes da  bota de salto fino de Elena, depois uma gargalha alta e forçada que se transformava rapidamente em um choro pesado, profundo e cheio de soluços. Eles eram invadidos por uma angustia fatal até que o silêncio voltava a tomar conta da casa e deles.
02:22

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